quarta-feira, março 15, 2006

Ser gordo

Não há nada mais estigmatizador, depois da cor da pele, do que a gordura. Ser gordo é considerado falta de auto-estima, desleixo. Experimente disputar um emprego com alguém magro. Não adianta você ser um gênio ou ter toneladas (literalmente) de experiência, perderá o lugar no momento mesmo em que o avaliador puser os olhos em você. Ao olhá-lo, em sua cabeça passa o seguinte: gordo = preguiçoso = doente = não trabalha e dá problemas.
Estou convencido de que existem uns quatro ou cinco empregos para gordos no mundo e já estão ocupados pelo Faustão, Jô Soares, Delfim Netto e o Rei Momo (aliás, o nosso alcaide, Nero Maia, cismou com o rei momo e resolveu que ele não pode ser obeso, liquidando a simbologia do carnaval). Ah! E last but not least, temos Papai Noel. Alguém já imaginou Papai Noel magro? Não teria forças nem para rir assim: Oh! Oh! Oh!
Apesar disso, recrutado por um amigo francês que é macérrimo, consegui um emprego numa multinacional e resisti durante cinco longos anos à vida corporativa. Fiz (bem) o que tinha que fazer, e isso tudo sem jogar tênis ou golfe, coisa imperdoável para o corporate world.
Ser gordo é estar condenado a constantes constrangimentos, a começar pelos gordos pobres que encontram obstáculos intransponíveis no dia-a-dia, como as roletas de ônibus, cada vez mais semelhantes a barreiras, dessas usadas para treinar fuzileiros navais. Não dá pra passar de jeito algum. Os mais abastados, quando têm que viajar de avião, são obrigados a pedir o extensor do cinto à aeromoça, que gentilmente, e com um olhar de comiseração, informa que o cederá depois de fazer aquela demonstração inútil dizendo onde estão as portas de saída etc. Pergunto-me sempre por que os norte-americanos, campeões mundiais de obesidade, fabricam aviões com poltronas cada vez mais estreitas.
Mas ontem, ao abrir o jornal, li uma notícia que me deixou animado. Há no mundo mais obesos que magrelas. Somos um bilhão (um sexto da humanidade), dos quais 300 milhões são extremamente gordos, contra apenas 170 milhões abaixo do peso, nestes incluídos os que passam fome (crianças) e aqueles detestáveis manequins anoréxicos que hoje são o padrão de beleza para a indústria da moda (e pelo jeito também para os fabricantes de poltronas de avião).
O jornal informa ainda que dos 170 milhões de esqueléticos, morrem 3 milhões todos os anos, mas não se atreve a fazer qualquer avaliação sobre o número de gordos que vão desta para a melhor (ou será pior?). Dizem apenas que o risco de doença cardíaca, acidentes cardiovasculares, câncer e diabetes é maior entre os cheinhos, mas não estima o total de mortos.
Bem, se somos a maioria, o lógico seria que fôssemos o padrão. Já foi assim, nos tempos em que os homens viviam nas cavernas e não tinham a menor idéia de quando seria a próxima refeição (durou até o século 19, quando a tuberculose era um flagelo). Nos longos invernos sem comida da pré-história, os gordinhos chegavam esbeltos à primavera. Os magros ficavam pelo caminho. Talvez essa seja uma razão genética para a predominância dos rechonchudos (Darwin não é Freud, mas também explica). Por falar nisso, quem de vocês assiste à série Lost? (Passou na Globo e está todas as segundas no canal por assinatura AXN.) É a história dos sobreviventes de um avião que cai numa ilha tropical onde acontecem coisas estranhíssimas. Apareceu até um urso polar!
Mas o mais estranho é que um dos personagens é tão gordo que só viajou comprando dois lugares no avião. Já faz dois meses que esse gordinho está na ilha deserta (não há McDonald's nem carboidratos num raio de 1 mil 500 quilômetros), o nosso balofo sua pra chuchu, corre o tempo todo, come o que há na ilha, isto é, peixe, e ao cabo desse tempo todo não perdeu um grama sequer ou um centímetro de barriga. Ora, se a dieta Lost é incapaz de emagrecer, o que dirão os nossos especialistas em regimes extravagantes, cada um mais ''milagroso'' do que o outro?
É bom parar de tratar os gordinhos como párias ou monstrinhos. Nós somos a maioria e exigimos respeito. Se somos assim, o devemos a remotos antepassados que, nos tempos em que só na hora da refeição é que se decidia quem comia quem, eram mais competentes e comiam em lugar de serem devorados. Os gordos nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Em troca, têm um mundo a ganhar. Obesos de todo o mundo, uni-vos! (*)
(*) Marx, o Groucho, plagiado pelo Karl (sei que viveu antes, mas isso é irrelevante).
· Fritz Utzeri

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