Um dano grave foi causado à
história do Brasil em Petrópolis. Relíquias, que pertenciam ao ex-presidente
João Batista de Oliveira Figueiredo, o 30º presidente da era republicana do
país e o último do período da Ditadura Militar, – foram furtadas do Sítio do
Dragão, propriedade da família que fica em Nogueira. Itens como medalhas,
espadins, presentes dados por chefes de outros estados, capacetes dos Dragões
da Independência, entre outros objetos raros que compunham o museu criado pelo
próprio ex-presidente em sua casa da serra de Petrópolis, agora estão
espalhados pela cidade.
O crime foi descoberto pela
nora do general do Exército, Adriana Figueiredo – esposa de Paulo Renato de
Oliveira, filho mais velho do ex-presidente. Os furtos foram praticados por um
ex-caseiro do Sítio do Dragão, que trabalhou na propriedade por 12 anos. Ela
conta que a família só percebeu a ausência dos bens nos últimos três meses.
“Apesar de virmos ao sítio com frequência, a propriedade é grande e nem sempre
entrávamos em todas as construções”, informa Adriana, que afirma que foi a
partir da reforma iniciada em janeiro que o crime veio à tona. “Vimos que
estavam faltando muitas coisas. Não apenas as medalhas, os itens pessoais, mas
móveis também”, contou.
A lista de bens furtados é grande
e nem mesmo a família tem exata noção da quantidade de itens e da extensão do
prejuízo. O ex-funcionário vendeu tudo o que podia. “Foram bombas d’água,
botijões de gás, roupa de cama, selas e bridões de cavalo personalizados (com a
sigla JBF), um dos pedalinhos do lago e até mesmo um tapete persa”, relata a
nora de Figueiredo, que ressalta que o funcionário, “possivelmente”, não tinha
noção do valor dos bens furtados. “O tapete (que vale mais de R$ 12 mil) foi
vendido por R$ 100”.
A propriedade de Petrópolis,
construída por Figueiredo e pelos irmãos a partir da década de 60, era um
reduto do ex-presidente. “Eu convivi com o meu sogro nos últimos cinco anos de
vida dele (o general faleceu em 1999 aos 81 anos). Mesmo com a idade avançada
ele sempre vinha para cá”. O ex-presidente vivia com a esposa Dulce Castro em
um apartamento no Bairro São Conrado, no Rio de Janeiro. “Por isso, muitas das
coisas de valor para ele, ele guardava aqui. Era um lugar que ele amava”,
lembrou a nora.
Entre os presentes dados por
chefe de estado, que Figueiredo ganhou no período em que governou o país – de
1979 a 1985, havia um chifre de marfim dado pelo presidente do Marrocos.
“Também tinha uma cabeça de alce, presente do presidente da África do Sul. Duas
das principais cabanas da propriedade foram presentes do presidente do Canadá.
Mas, tinha também uma carranca que ele ganhou quando foi ao nordeste inaugurar
um açude e um escudo do Fluminense (Figueiredo era torcedor do clube carioca),
confeccionado em pedra sabão e que ficava na cabeceira dele. Tinha mais valor
sentimental”, ressalta Adriana.
Museu saqueado
No porão de uma das cabanas do
Sítio do Dragão há um museu dedicado à história de Figueiredo, que foi aberto
por Adriana à nossa equipe de reportagem na última quinta-feira. No espaço, há
por exemplo, em uma das paredes, um diploma de “Beneficência ao Clube Militar”,
datado de 1910, que homenageia o pai de Figueiredo, o general do Exército
Euclides Figueiredo – que anos mais tarde comandou a Revolução
Constitucionalista de 1932. Também existe uma coleção de moedas estrangeiras,
um dos hobbies do ex-presidente, assim como itens que contam a trajetória de
Figueiredo como militar. “São espadins, um deles de quando ele comandou a
Academia das Agulhas Negras, o capacete de quando ele comandou os Dragões da
Independência, e medalhas, tanto da carreira militar, quanto da vida como
cavaleiro, prêmios em provas de salto”, enumera Adriana.
Das medalhas, ainda está no
museu, por exemplo, a de Mérito Marechal Rondon, que pertence à Ordem do Mérito
das Comunicações, dada a personalidades brasileiras e estrangeiras por serviços
prestados às comunicações (Figueiredo recebeu a medalha em 1982). Na coleção
outra medalha da Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha. Mas, o que
nossa equipe viu no museu particular do ex-presidente não representa metade do
acervo. “Havia mais caixas de medalhas. Estatuetas que não estão aqui”,
salienta Adriana, que diz que o material ainda não tinha sido catalogado pela
família.
Investigações do crime
Quando a família descobriu os
furtos, o ex-funcionário ainda trabalhava na propriedade. “Pouco tempo depois
que começou a reforma, ele pediu demissão alegando que estava fazendo muito
serviço pesado”, afirma Adriana, que diz que questionou o funcionário sobre os
bens que desapareceram. “Sobre as selas de cavalo, por exemplo, ele disse que
tinham estragado e foram jogadas fora”, relata.
Assim que o ex-caseiro deixou a
propriedade, com ajuda de um policial ligado à família, os furtos começaram a
ser investigados. “Nós percorremos as residências vizinhas e descobrimos que os
itens furtados, boa parte deles pelo menos, tinham sido vendidos a funcionários
daqui do entorno”, conta a nora de Figueiredo que, no dia 24 de abril,
registrou o caso na delegacia da Polícia Civil do distrito de Itaipava, a 106ª
Delegacia de Polícia.
Quem ouviu a denúncia foi a
inspetora Beatriz Cheroto, que passou a trabalhar na investigação coordenada
pelo delegado titular da unidade, Nei Loureiro. “No mesmo dia descobrimos o
paradeiro dele (o ex-funcionário passou a viver em uma comunidade de Nogueira).
Uma semana depois, ele veio até a unidade depor, acompanhado de um advogado.
Ele confessou os furtos, alegando que praticou o crime nos últimos dois anos.
Mas, durante a investigação descobrimos que ele já vendia os objetos há mais
tempo. Uma das pessoas que estava com um dos itens furtados disse que comprou
dele há quatro anos”, destaca a investigadora, que informou que o homem
responde em liberdade pelo crime, que tem pena prevista de um a quatro anos de
prisão.
Família faz apelo
Na casa do suspeito foram
encontrados bens como uma mobilete e um tobata (trator pequeno), que foram
recuperados pela Polícia Civil e devolvidos à família. Depois de localizar
algumas das pessoas que compraram os bens de Figueiredo, os policiais
recuperaram mais itens. “Teve um vizinho que entregou sete móveis. Acho que
recuperamos 40% do que foi levado, mas ainda tem muita coisa espalhada por aí.
Dos itens de valor histórico e sentimental para a família não recuperamos nada.
Por isso, faço um apelo às pessoas para que devolvam. Não queremos penalizar
ninguém, mas ter de volta os objetos que o dinheiro não pode comprar e que tem
valor não apenas para a família, mas que contam a história de personalidade do
país”, pede Adriana.
Fonte: Tribuna de Petrópolis