quarta-feira, janeiro 07, 2009

O remédio é a cidadania

Entendo que tomates custem mais caro num supermercado do que no outro. Há tomates mais suculentos e mais saborosos que outros. Mas remédios iguais não deveriam custar rigorosamente o mesmo? Na semana passada, fiz uma lista de 30 medicamentos para enfermidades diversas e fui a três farmácias localizadas no mesmo quarteirão para pesquisar os preços. Os totais foram R$ 1.381, R$ 1.550 e R$ 1.724. Um escândalo essa diferença.
São os mesmos remédios, com a mesma dosagem, o mesmo número de comprimidos ou cápsulas e do mesmo laboratório. Algumas das maiores disparidades constatadas: Lipitor de 40 mg, para baixar o colesterol, custava R$ 148 numa farmácia, R$ 166 na outra e R$ 205 na terceira. Ebix, para tratamento de Alzheimer: R$ 138 numa, R$ 148 na outra e R$ 198 na terceira. Viagra de 50 mg, com 4 comprimidos: R$ 85, R$ 91 e R$ 122. Arava, para artrite: R$ 248, R$ 298 e R$ 331. Norvasc, contra hipertensão: R$ 97, R$ 101 e R$ 139. Amoxil 500 mg, antibiótico de amplo espectro: R$ 33, R$ 47 e R$ 58. As farmácias pesquisadas, num trecho de menos de 100 metros, foram a Descontão, a Drogaria Pacheco e a Droga Raia.
O curioso é que a farmácia mais cara acabou sendo a Descontão, com fachada bem popular e caixas registradoras visíveis da rua. A Pacheco ficou no meio-termo. E a Raia, com portas de vidro de correr, ar-condicionado e jeito de perfumaria, no ponto mais nobre da rua, foi a mais barata. Claro que essa não é uma pesquisa científica, válida para todas as prateleiras. A lista dos 30 remédios selecionados, com seus respectivos preços, está na tabela ao final do texto.
É natural que uma família compare preços em supermercados. Mas é inexplicável que se submeta um doente a uma pesquisa de campo. Em tempos de crise, quando os preços aumentam indiscriminadamente e o consumidor se sente perdido, é imperioso pesquisar. Mesmo assim, com remédios, deveria ser diferente. Cobrar mais ou menos por produtos de beleza e higiene é aceitável, mas um comprimido é um comprimido. Cumpre a função de aliviar a dor, restabelecer a saúde, curar.
Quantos consumidores são lesados por ingenuidade ou inércia?
Cidadãos devem lutar por seus direitos
Em outros países, a venda de medicamentos é mais controlada. Nos Estados Unidos, não se compra sem receita um anti-inflamatório comum ou um gel para dor na coluna. E o consumidor só leva o total estipulado pelo médico. Reduz-se o risco de medicamentos fora de validade rolando nos armários de casa. Acaba o desperdício. Na França, todo assalariado tem cartão de saúde e direito a reembolso parcial ou total do remédio – e o preço é sempre o mesmo. No Brasil, é uma bagunça. Existe uma tabela com valor máximo, mas cada empresário negocia com o fornecedor, e os preços variam absurdamente. Uma excelente iniciativa é a Farmácia Popular. Com uma receita de hospital público, doentes pobres compram remédios por centavos. Mas faltam medicamentos importantes.
Quando penso em quantos consumidores são regularmente lesados por ingenuidade ou inércia, chego a uma conclusão típica de fim de ano: precisamos nos mobilizar. Cidadãos conscientes lutam por seus direitos. E conseguem coisas incríveis.
Uma mensagem que chega com a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos é que a mudança não se faz somente com chefes de Estado, de cima para baixo. A socióloga Julita Lemgruber, professora-visitante da Harvard Law School, afirma que Obama foi eleito apoiado em um gigantesco movimento de “democracia participativa”, com uso maciço da internet. Em dezembro, houve centenas de encontros com milhares de pessoas nos Estados Unidos. Julita esteve em dois deles. “O entusiasmo e a crença de que ‘juntos podemos mudar’ dominaram as reuniões. Debateu-se de tudo. Os problemas mais imediatos dos bairros e as possíveis soluções. Como cobrar do futuro presidente a implementação de suas promessas, principalmente na assistência à saúde, à educação e ao desenvolvimento de energias alternativas”, escreveu Julita no jornal O Globo. Ela percebeu a vontade de construir uma nova participação cidadã.
Parece utopia. Mas o Ano-Novo está aí. Nós, brasileiros, precisamos lutar por nós mesmos.
Fonte: Época ( Ruth de Aquino)

Nenhum comentário: