segunda-feira, agosto 15, 2005

As amargas lágrimas

NEM SEI SE A EXPRESSÃO AINDA ESTÁ dentro do prazo de validade, mas sou uma manteiga derretida. Ou um chorão inveterado. Não é preciso muito esforço para minhas glândulas lacrimais serem acionadas. Mas consigo separar bem os motivos que me levam ao choro. O choro provocado pelas saudades de um ente querido que não está mais entre nós não é o mesmo que acontece quando assisto a um episódio de “Os Waltons”. Choro em filmes para adolescentes, choro assistindo a programas de calouros, choro quando meu candidato ganha uma eleição (choro quando ele perde também). Choro quando o Brasil ganha a Copa do Mundo (quando perde também), choro em jogo de vôlei, choro quando vejo exemplos de superação nas Olimpíadas. De um modo geral, conheço todas as formas do meu choro. Sei quando choro como um camelo ou como Madalena arrependida. Pensei que, nessa altura do campeonato, não teria mais a experiência de um choro desconhecido. Mas tenho me surpreendido ultimamente com o que me tem levado a chorar. Dei para me pegar chorando enquanto assisto ao “Jornal Nacional”. Talvez seja um choro de indignação provocada pelos motivos que justificam a capa desta edição da Revista. Mas acho que não. Tento me identificar com a classe de 68 que se mostra decepcionada com o PT no poder. É um esforço em vão. Era velho demais para ir às ruas com os caras-pintadas e moço demais para participar das passeatas da geração politizada dos anos 60 (tenho amigos mais jovens do que eu que participaram ativamente, mas eram precoces, não tenho dúvida). Não fui às ruas para pedir liberdade. Estava no comício das Diretas, mas como repórter. Um observador. Às vezes me envergonho de não ter tido uma participação maior na luta contra o regime militar. Se bem que trabalhei de graça para um jornal da imprensa alternativa que fazia campanha pela anistia. Ampla, geral e irrestrita, é claro. Também organizava debates em cineclubes para discutir “Os companheiros”, de Monicelli, “O bandido Giuliano”, de Francesco Rossi, “Barravento”, do Glauber... E tenho uma vaga lembrança de que devo ter posto meu nome em dois ou três abaixo-assinados que protestavam contra aquela coisa toda. É pouco diante de tanta gente que tombou. Mas é alguma coisa. E já me dá o direito de também chorar ao ver no que o Brasil se transformou. Não choro por um projeto político não-realizado. Choro de vergonha. Lembro-me ainda do sentimento de impotência que cercou as décadas de 60 e 70. Será que a essa ditadura é para sempre? Será que a gente nunca vai conhecer a democracia? E me lembro mais ainda da esperança renascendo pouco a pouco até reaparecer plena com a eleição de Lula. Sempre houve delúbios e valérios por aí. Mas eu acreditava que, num ambiente especial, eles tenderiam a desaparecer. E aí, ligo a televisão, vejo o “Jornal Nacional” e reencontro o mesmo tipo de escândalo, o mesmo tipo de corrupção, o mesmo tipo de tráfico de influência de cinco anos atrás, de dez anos atrás, de 15 anos atrás, de 20 anos atrás. E os delúbios e valérios com toda a força. Como se, na verdade, nunca tivessem encontrado um ambiente tão fértil para se reproduzir. Como se eles fossem o verdadeiro Brasil e aquele país sonhado desde as primeiras palavras de ordem pedindo liberdade, anistia, eleições diretas só existisse mesmo nos sonhos. Choro porque o Brasil parece condenado a viver, para sempre, entre os golpes dos delúbios e valérios.

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