quinta-feira, julho 07, 2005

A dama do portão do cemitério

Quando eu era menino, toda a emoção do mundo vinha através do rádio. Mas bom mesmo era ouvir rádio quando os pais não estavam em casa ou às escondidas, bem baixinho, ouvido colado ao alto-falante. O programa do Almirante - ''Incrível, fantástico, extraordinário'' - era o máximo. Histórias de assombração. E cadê dormir depois?
Uma da qual me lembro começava à noite (meia-noite, é claro), com um motorista de táxi passando diante do cemitério da cidade. Era Belém, se não me falha a memória. De repente, perto do portão, vê uma bela moça ruiva, pele alva, de chapéu e vestido branco, muito elegante, que lhe faz sinal para parar. Meio assustado pelo lugar e a aparição inusitada, ele pára, a mulher entra e se acomoda no banco de trás, dá o endereço e a viagem começa.
Durante o caminho, a moça que devia ter pouco mais de 20 anos, revela que era uma pianista e que já dera grandes concertos. Ela tem um perfume suave, de flores, sorri amável e responde às suas observações sobre o perigo de andar sozinha àquelas horas na rua. Chegando ao local, diz em voz baixa, quase um sussurro:
- O senhor me desculpe, mas estou sem dinheiro, peço que me espere aqui, vou entrar e pedir à minha avó que me dê o dinheiro da corrida.
O motorista concorda. A mulher desce, abre a porta da casa e entra.
O motorista começa a esperar... Cinco minutos... E nada... Dez... Ouve o som de um piano... Quinze... A música continua... Começa a ficar preocupado, ao mesmo tempo em que um torpor inexorável toma conta dele. Adormece profundamente, um sono sem sonhos e - assustado e banhado em suor - acorda quando o dia já amanhece.
Fritz Utzeri

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